Vigilante: proibir a contratação das OSs é constitucional.

Os deputados distritais podem, sim, proibir a contratação de Organizações Sociais, as OSs, para a gestão da saúde pública do DF por meio de legislação específica. A afirmação é do deputado Chico Vigilante (PT) feita com base em minucioso estudo realizado sobre as legislações vigentes e as interpretações feitas por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.

A Câmara Legislativa discute Projeto de Lei nº 1192/20169 , assinado por diversos parlamentares que pretende revogar a lei 4081/2008, que regulamenta o funcionamento de organizações sociais no DF. As discussões deverão ser retomadas em agosto.

Para Vigilante, os deputados podem formar maioria para proibir que serviços públicos, como a gestão da Saúde  Pública seja terceirizada.

“É perfeitamente plausível defender que os Deputados Distritais – eleitos que foram para elaborar as leis distritais – podem formar uma maioria política para proibir que serviços públicos sejam prestados pela iniciativa privada, na forma de contrato de gestão com organizações sociais”, afirma o estudo.

“Do ponto de vista político, em momento algum das eleições o então candidato Rollemberg anunciou que passaria a saúde para as organizações sociais. Não pode agora impor uma vontade que não foi submetida à discussão popular na época eleitoral”, diz Vigilante no documento.

Leia a íntegra:

 

Organizações Sociais:

É CONSTITUCIONAL PROIBI-LAS

 

O Projeto de Lei nº 1.186/2016, do Governador Rodrigo Rollemberg, pretende passar para as organizações sociais serviços públicos, como educação, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção do meio ambiente, cultura e saúde. E isso tem gerado muita discussão na sociedade, inclusive quanto à possibilidade constitucional ou não de se proibir contrato com essas organizações.

Inicialmente, trata-se, na verdade, da tentativa do atual Governo de dar início à privatização dos serviços da saúde pública do Distrito Federal e da educação. É uma iniciativa infeliz, com a qual não podemos concordar em hipótese alguma, pois a saúde e a educação públicas têm de ser prestadas pelo próprio Poder Público e não por instituições privadas, ainda que se apresentem sob o rótulo de serem “sem fins lucrativos”.

Evidentemente que não se pode aceitar tamanho desmando nas coisas públicas. Se o atual Governo não tem competência para gerir a saúde e, por isso, quer entregá-la a iniciativa privada, tem de pedir desculpas à população, pois não foi isso que ele defendeu na campanha eleitoral de 2014. Exigimos seriedade.

Por isso, entendemos necessário sepultar de uma vez por todas essa questão que vem fazendo sofrer os servidores públicos do Distrito Federal, que já estiveram nesta Casa por diversas vezes, para afirmar serem contrários a essas organizações sociais. E a melhor forma de darmos uma resposta definitiva sobre isso é revogarmos a Lei que autoriza as Organizações Sociais e proibirmos que elas venham a ser contratadas pelo Governo.

O Distrito Federal já teve uma experiência mal sucedida com organização social. Foi o caso da Real Sociedade Espanhola, qualificada como organização social pelo Decreto nº 29.894, de 23/12/2008 e contratada para administrar o Hospital Regional de Santa Maria (Contrato de Gestão nº 01/2009).

Menos de dois anos depois de ter sido contratada, o próprio GDF, com o Decreto nº 32.430, de 9/11/2010, teve de realizar uma intervenção total na administração do Hospital, em razão de inúmeras irregularidades detectadas em auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS  e também do Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios, as quais punham em “riscos a continuidade da prestação de serviços públicos de saúde para a população do Distrito Federal”.

Esse fato levou o Distrito Federal a firmar termo de ajustamento de conduta com o TCDF, Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e Ministério Público do Trabalho em 10 de novembro de 2010, a fim de que o Governo distrital tomasse medidas contra os desmandos no Hospital de Santa Maria.

Finalmente, com o Decreto nº 33.609, de 11/4/2012, a Real Sociedade Espanhola perdeu a sua qualificação como organização social no Distrito Federal. Hoje, os serviços do Hospital de Santa Maria são prestados pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Tem-se falado também que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 1923/DF EM 16/4/2015 (Relator Min. Ayres Brito; Relator do Acórdão Min. Luiz fux, Tribunal Pleno, DJe, de 17/12/2015), permite a celebração de contrato de gestão com organizações sociais.

Os termos dessa decisão não apresentam a simplicidade acima e precisam ser analisados com muito mais cautela, a fim de que sejam corretamente interpretados. A questão da constitucionalidade dos contratos com organizações sociais foi uma decisão que suscitou muita divergência entre os Ministros.

Primeiramente, a decisão não foi pela rejeição da ADI, mas por interpretação conforme, isto é, os Ministros do STF entenderam ser constitucional da Lei federal nº 9.637, de 15/5/1998, que trata das organizações sociais, mas com várias ressalvas, que transcrevemos a seguir, as quais demonstram preocupações com eventuais desvirtuamentos do direcionamento dado à gestão pública:

  1. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido é julgado parcialmente procedente, para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV, da Lei nº 8666/93, incluído pela Lei nº 9.648/98, para que:

(i) o procedimento de qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37[1] da CF, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº 9.637/98;

(ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF;

(iii) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, §3º) sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF;

(iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade;

(v) a seleção de pessoal pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e (vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas.

Em segundo lugar, além de ADI ter sido julgada parcialmente procedente, a decisão foi por maioria, pois os Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber votaram por acatar a ADI em maior extensão

Do voto do Ministro Marco Aurélio, merecem ser transcritas as seguintes ponderações:

A modelagem estabelecida pelo Texto Constitucional para a execução de serviços públicos sociais, como saúde, ensino, pesquisa, cultura e preservação do meio ambiente, não prescinde de atuação direta do Estado, de maneira que são incompatíveis com a Carta da República leis e programas de governo que emprestem ao Estado papel meramente indutor nessas áreas, consideradas de grande relevância social pelo constituinte.

A extinção sistemática de órgãos e entidades públicos que prestam serviços públicos de realce social, com a absorção da respectiva estrutura pela iniciativa privada – característica central do chamado “Programa  Nacional de Publicização”, de acordo com o artigo 20 da Lei nº 9.637/98, configura privatização que ultrapassa as fronteiras permitidas pela Carta de 1988.

O Estado não pode simplesmente se eximir da execução direta de atividades relacionadas à saúde, educação, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio ambiente por meio da celebração de “parcerias” com o setor privado.

(…)

Estou convencido de que as normas das Leis nº 9.637/98 e 9.648/98 – que admitem a destinação de receitas orçamentárias, bens e servidores públicos a entidades qualificadas como organização social sem a observância do regime jurídico público aplicável à Administração – consubstanciam verdadeira fraude à regra do artigo 37, inciso XXI, da Carta Federal e implicam grave afronta ao princípio republicano, razão pela qual descabe a utilização da técnica da interpretação conforme.

Sob essa óptica, é evidente a ausência de razões legítimas que justifiquem a hipótese de dispensa de licitação criada pelo legislador. A transferência de recursos, bens e servidores públicos a entidades qualificadas como organização social sem a realização do processo de licitação e em desrespeito às demais regras do regime jurídico público contraria a essência do princípio republicano e dos princípios da isonomia e da impessoalidade.

(…)

No mundo real, servidores públicos escolhidos pelo gestor continuarão a desempenhar as mesmas funções que já realizavam anteriormente, quando compunham os quadros da Administração Pública, só que agora com remuneração potencialmente superior, inclusive com a possibilidade de ultrapassar o teto constitucional.

Não é só isso. Conforme registra o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, “não se admite que o Estado seja provedor de pessoal de entidades particulares” (Curso de direito administrativo, 2010, 28ª edição, p. 242).

Já a Ministra Rosa Weber, que acompanhou o voto do Ministro Marco Aurélio, expressou o seguinte:

Por outro lado, também não posso esquecer – até comentava há pouco – o que todos entendemos: que a Constituição é viva, a Constituição é aquilo que o Supremo diz que é, a interpretação que confere ao Texto Constitucional. Mas tenho enorme dificuldade, Senhor Presidente, de, nesse âmbito – perdoem-me, mas seria uma terceirização da própria atividade estatal, não mais a terceirização na órbita trabalhista, da ótica do trabalho, daquele que executa o trabalho, da atividade do trabalhador, mas da atividade estatal como tal- , de superar os obstáculos que foram tão bem detalhados e tão bem enfrentados no voto divergente do eminente Ministro Marco Aurélio, ontem proferido, com amparo em especial na doutrina de Celso Antônio.

A análise do Acórdão com a expressão do que decidiu a maioria dos Ministros do STF também revela que a matéria não é simples, nem é pacífica. E o item 1 da decisão não deixa dúvidas de que o Poder Público até pode contratar organizações sociais sem ferir a Constituição Federal, mas a isso não está obrigado. Diz o Acórdão:

  1. A atuação da Corte Constitucional não pode traduzir forma de engessamento e de cristalização de um determinado modelo pré-concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente assegurados, as maiorias políticas prevalecentes no jogo democrático pluralista possam pôr em prática seus projetos de governo, moldando o perfil e o instrumental do poder público conforme a vontade coletiva.

Traduzindo para a linguagem jurídica, o trecho acima afirma que a lei, como expressão do jogo democrático pluralista, pode autorizar a contratação de organização social. Todavia, olhando a outra face da moeda, as mesmas maiorias políticas também podem decidir pela proibição de se contratar “organização social”, isto é, o que o STF decidiu é que a matéria “organizações sociais” está no campo da discricionariedade do legislador.

Com efeito, o fato de uma determinada matéria encontrar abrigo na Constituição Federal, segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal, não significa que ela é obrigatória, isto é, se a União elaborar uma lei para proibir a contratação de organização social essa lei também estará abrigada pela Constituição, pois foi resultado da manifestação “das maiorias políticas prevalecentes no jogo democrático pluralista”.

Assim, é perfeitamente plausível defender que os Deputados Distritais – eleitos que foram para elaborar as leis distritais – podem formar uma maioria política para proibir que serviços públicos sejam prestados pela iniciativa privada, na forma de contrato de gestão com organizações sociais. Nesse caso, as maiorias políticas entenderam de forma diversa do que entenderam as maiorias que, no plano federal, admitiram o contrato de gestão com organizações sociais.

Outra questão relevante é que a Lei federal nº 9.637, de 15/5/1998, destina-se apenas à Administração Pública Federal e não a todos os Estados, Municípios e Distrito Federal. Se qualquer desses entes federativos pretenderem realizar contrato de gestão com organizações sociais, necessitam de leis próprias para esse intento, pois, sendo a matéria de direito administrativo, a lei federal não se aplica automaticamente a esses entes.

Do ponto de vista político, em momento algum das eleições o então candidato Rollemberg anunciou que passaria a saúde para as organizações sociais. Não pode agora impor uma vontade que não foi submetida à discussão popular na época eleitoral.

Por tudo isso, entendo que temos de proibir os contratos de gestão do GDF com organizações sociais.

Brasília-DF, 6 de julho de 2016.

CHICO VIGILANTE – PT/DF