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Um bicho chamado CUT

Vou votar nessa chapa aqui porque todas as outras roubam, mas essa tem esse bicho chamado CUT que não vai deixar roubar!

E foi assim que Bacurau disse a Chico Vigilante, nosso primeiro presidente da CUT-DF. Ao assumir a empreitada de dirigir a entidade que acabara de nascer, e de representar e organizar a classe trabalhadora em Brasília, o maranhense Chico arregaçou as mangas e, não sem alguma resistência, assumiu a missão. O jovem sindicalista, que dizem por aí que só aceitou o desafio depois de uma conversa séria com um barbudo de São Bernardo, chegava às 4 horas de uma certa manhã, ainda tudo escuro, para panfletar nas portas das garagens das empresas de ônibus do DF. Em um período em que dava o longo regime militar a que o povo brasileiro foi submetido, quando não tínhamos eleições limpas no país e muito menos nos sindicatos, os trabalhadores rodoviários do Distrito Federal estavam ali fazendo mais uma eleição para a próxima diretoria de sua entidade sindical. Nada de novo aparentemente no ar, a não ser pelo fato de, nessas eleições, terem se apresentado simplesmente 9 chapas para concorrer ao pleito. 

Bacurau, um rodoviário de origem interiorana, de algum dos rincões desse país, ganhou esse apelido já em Brasília porque era o motorista responsável por trabalhar no horário da madrugada, no conhecido Corujão. Por isso, habitualmente, pegava a troca do último turno da noite anterior e o primeiro da madrugada do início do dia. E numa dessas trocas de turno, à frente da garagem onde todos os dias deixava e pegava o seu ônibus para ir trabalhar, se esbarrou com Chico Vigilante, já eleito presidente da CUT-DF, fazendo campanha para uma das chapas. Como o desabrochar de uma primavera, e fazendo jus ao período de abertura política que trazia ares de democracia e renovação ao país, aquela foi uma das eleições mais disputadas da história do sindicato. E já contava com uma chapa CUTista na disputa, essa apoiada por Chico. 

– Já peguei esse jornal, disse Bacurau ao se deparar com Chico na porta de uma garagem no P Sul, na Ceilândia. 

– Não, esse é o novo. Acabou de sair. Você deve ter pego o de ontem à noite, respondeu prontamente Chico. Diante da surpresa manifestada pela feição de Bacurau, eis que se inicia um diálogo entre os dois que, por algum motivo, foi nutrido por uma empatia imediata. Bacurau, de origem roceira e humilde, era o próprio homem do campo brasileiro chegado à capital que oferecia tantas oportunidades àquela época. Com as vestimentas típicas de um trabalhador rural, com a calça arregaçada até perto do joelho, ele estava agora  fichado na Pioneira, empresa de ônibus daqui do DF e que, até hoje, ainda em atividade, está entre as prestadoras do serviço de transporte urbano na cidade. 

– Senta aí que vou te contar uma história, disse Bacurau. Já vi muitas eleições aqui nesse sindicato. E vi muitas chapas de oposição ganharem as eleições UM BICHO CHAMADO CUT Chico Vigilante para depois  ficarem de novo nas mãos do seu Damasceno.

Bacurau se referia a Eliakin Damasceno, ex-presidente histórico do sindicato, que ocupou durante vários mandatos a presidência dos Rodoviários, mas sempre muito amigo dos patrões. Era a personificação do que se chamava de uma liderança pelega, aquela figura que dizia representar os/as trabalhadores/as, mas que, na verdade, estava ali para atender aos interesses dos empresários. E assim Bacurau prosseguiu com sua ladainha, como uma verdadeira profissão de fé:

– Todo mundo quer o sindicato para roubar. Eles só pensam nisso. Mas vou votar nessa sua chapa aí. Não porque eu acho que eles não queiram roubar, como todos os outros fazem. Vou votar nessa chapa porque tem aí um bicho chamado CUT que não vai deixar isso acontecer dessa vez!

E assim, depois dessa fala de Bacurau enaltecendo o bicho chamado CUT, Chico volta ao trabalho de distribuir o jornalzinho da chapa aos/às trabalhadores/as. A eleição que foi vitoriosa para a chapa CUTista mudou a história do Sindicato dos Rodoviários, entidade que assumiu, pouco tempo depois, o protagonismo e direção de muitas grandes e combativas greves na Nova República, influindo de forma decisiva na história da própria capital. Esse bicho chamado CUT, quem diria, foi longe mesmo! Junto com a CUT que ajudou a fundar e topou conduzir logo em seu começo de vida, Chico também foi longe. Transformou-se em um legítimo representante dos trabalhadores e das trabalhadoras do DF na Câmara Federal por dois mandatos e, na sequência desse período no Congresso, indo para a Câmara Legislativa, onde até hoje, em seu quarto mandato, está honrando sua história e nossos votos.

*Reportagem da Revista CUT 40 anos – Casos e Causos do movimento sindical do DF.

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