A promotora do Ministério Público de Goiás, Fabiana Zamalloa, entrou com ação cível pública e obteve liminar favorável que anula e impede a renovação dos contratos do governo de Goiás com as OS (Organizações Sociais) –empresas que gerenciam os serviços de saúde nos principais hospitais públicos do estado.
A liminar foi concedida pelo Juiz Eduardo Pio Mascarenhas da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e atinge todas as sete organizações: Fundação de Assistência Social de Anápolis (Fasa), Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (Pró-Saúde), Associação Goiana de Integralização e Reabilitação (Agir), Instituto de Desenvolvimento Tecnológico (Idtech); Instituto de Gestão em Saúde (Iges), Instituto Sócrates Guanaes (ISG), e o Instituto de Gestão e Humanização (IGH).
Os sete hospitais gerenciados são, respectivamente: Hospital de Urgências de Anápolis (Huana), Hospital de Urgências da Região Sudoeste de Goiás (Hurso), Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), Hospital Geral de Goiânia (HGG), do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), Hospital de Doenças Tropicais (HDT) e Hospital Materno Infantil (HMI).
O valor do contrato do governo e o repasse a estas Organizações Sociais é de cerca de R$ 372 milhões. Este montante não será devolvido aos cofres públicos, uma vez que os serviços foram prestados legalmente. O que o MP-GO pede é a nulidade dos contratos e a não renovação do atual modelo de gestão hospitar firmado entre governo e Organizações Sociais.
Segundo entendimento do MP-GO, o governo não deve renovar os contratos devido a uma série de fatores que vão desde a má gestão, compra de medicamentos sem licitação até a ocorrência de contratação de novos servidores de Saúde com detrimento aos atuais servidores do estado, entre outros. “Desde que assumiram a gestão da Saúde no estado, as OS estão comprando medicamentos com determinadas empresas escolhidas, sem o uso de editais e licitação. Nestes casos, o risco de fraude é grande, pois elas podem direcionar a compra de medicamentos sem que haja controle por parte do estado” explica Guilherme Martins, assessor jurídico do MP-GO.
O atual modelo de contrato de gestão dos hospitais assinado pelo governo permite ainda que as OS contratem novos servidores da Saúde sem o uso de instrumentos previstos na Constituição, como concurso público e processos seletivos. Esta modalidade favorece a nomeação de indicados e prejudica tanto novos futuros servidores quanto os atuais funcionários da Saúde no estado. “Temos recebido diversos servidores da Saúde aqui no Ministério Público, alguns com mais de 10 anos de serviço prestado ao estado, reclamando do atual modelo de gestão da Saúde oferecido pelas OS. Eles descrevem que há perseguições contra os servidores da Saúde e que muitos estão sendo redirecionados para outras funções. Há relatos de que com estas realocações muitos destes servidores se tornam omissos em suas novas funções” alerta o Dr. Guilherme Martins.
Conforme sustenta a promotora Fabiana Zamalloa, a partir dos contratos celebrados com as organizações sociais para a gerência de praticamente todos os hospitais públicos do Estado, a administração estadual torna vulnerável o princípio da universalidade, da integralidade e da igualdade, que estão na base do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela acrescenta que, na atual conformação, o Estado de Goiás “comprou” um pacote de serviços por preço determinado, sem levar em conta os graus de complexidade dos serviços efetivamente prestados e, ainda, sem a participação do Conselho Estadual de Saúde.
Apesar de os Conselhos de Saúde deverem, necessariamente, participar das decisões sobre as políticas públicas de saúde no âmbito das três esferas de governo, não sendo órgãos meramente consultivos, a decisão do Estado contraia a Resolução nº 223/1997. “Evidente que uma mudança como a efetivada pelo Estado de Goiás não poderia olvidar ou desconhecer a posição do Conselho Estadual de Saúde”, pondera a promotora.
Fabiana Zamalloa observa ainda que, a pretexto de buscar maior eficiência na prestação de serviços de saúde, os contratos constituem, em verdade, burla ao princípio da complementariedade da atuação da iniciativa privada no SUS.
“O Estado de Goiás optou por transferir a gerência da sua capacidade instalada para entidades de direito privado que em nada vão agregar aos serviços que hoje podem ser prestados pelo governo estadual, numa clara demonstração de que, embora possa, não quer desempenhar o ônus constitucional”, afirma a promotora. Ela argumenta ainda que, segundo determinação constitucional e legal, o Estado tem o dever de prestar diretamente serviços de saúde gratuitamente à população, tendo em vista a natureza básica e essencial da atividade.
Além disso, conforme extraído dos contratos de gestão celebrados, os serviços são pré-pagos, em parcelas mensais, independentemente da sua efetiva prestação. Ou seja, o repasse mensal feitos às OS é fixo, mesmo que as entidades não cumpram as metas propostas, sem qualquer mecanismo de controle dos gastos e do empregos dos recursos públicos pelas organizações, em afronta ao que prevê a Constituição.
Também é citado pela promotora Fabiana Zamalloa na ação, o risco de que, ao manter os serviços da forma como estão contratados, haverá uma inevitável “seleção” dos pacientes, encaminhados pelo sistema de regulação, deixando sem atendimento aqueles “mais onerosos” para a organização social. Prevendo uma possível situação, é citado que um paciente com probabilidade de complicações, de permanência em UTI por tempo maior do que a média prevista no contrato, com necessidade de ações e serviços em quantitativo maior do que a “média” contratada ou cujo tratamento demande medicamentos de alto custo. Essa situação representaria maior ônus à OS, que possivelmente não poderá assumir, sob pena de não conseguir, com os valores pactuados, cumprir as metas assumidas no contrato de gestão.
Fonte:Christiano Afonso / JORNAL GOYÁZ