ENTREVISTA – “Temos muito para ouvir do Coronel Naime”, diz deputado Chico Vigilante

Durante entrevista concedida na noite de ontem (10) para o jornalista Luis Nassif, da TV GGN, o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, deputado Chico Vigilante (PT), falou sobre o que já foi descoberto, os documentos que a comissão já possui, o que já deu para saber a partir dos primeiros depoentes e a expectativa em relação à próxima semana. Como o ex-ministro Anderson Torres foi convocado para depor no dia 16 de março junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a CPI mudou a data do depoimento dele, que acontecerá em reunião reservada, para o próximo dia 23. E em vez de Torres, na próxima quinta-feira será ouvido pelos parlamentares o coronel da Polícia Militar Jorge Eduardo Naime – que era quem estava no comando da operação da PM em Brasília, no dia 8 de janeiro.

O deputado falou tanto da CPI como do cenário político nacional. Afirmou que, a seu ver, a esquerda precisa ir para a periferia conversar mais com as pessoas e ampliar a conscientização política da população. Destacou a importância de ser descoberto quem mandou matar a vereadora carioca Marielle Franco e ainda revelou um segredo antigo ao jornalista Luis Nassif, que conhece há mais de 30 anos, dos seus tempos de sindicalista. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Encontro antigo com o Luis Nassif e segredo revelado

Quero, antes de responder a qualquer pergunta e falar da CPI, revelar aqui uma coisa que nunca contei. No início do governo Sarney eu era presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Distrito Federal (DF) e Jair Meneguelli era presidente da CUT nacional. O ministro do trabalho, Almir Pazzianotto, convocou uma reunião conosco da qual participaram vários ministros e os jornalistas todos ficaram lá embaixo nos esperando no final da reunião, porque era um fato inédito. Nós tínhamos saído há pouco tempo da ditadura e era a primeira vez depois de anos que o governo chamava os trabalhadores para conversar. Depois fomos almoçar com vários jornalistas, inclusive você Nassif. E guardamos um segredo até hoje do resultado da reunião.

É que simplesmente a reunião não tinha tido qualquer resultado. O Pazzianotto abriu a reunião e disse, “olha nós chamamos vocês aqui, mas não vai ter negociação. Fui incubido pelo presidente Sarney para chamá-los aqui e aqui mostrar para a sociedade que os trabalhadores são importantes. É só isso”. E foi só isso mesmo. Foi antes do Plano Cruzado, o governo não estava muito bem das pernas e o presidente queria demonstrar que estava bem com os trabalhadores. Como estávamos no início da redemocratização do país, nós preferimos ficar lá e evitar confrontos.

Andamento da CPI dos Atos Antidemocráticos

Somos sete deputados na CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Iniciamos o processo de investigação, já ouvimos o ex-secretário executivo de Segurança do DF, delegado federal Fernando Oliveira, que assumiu enquanto o Anderson Torres viajou para os EUA. É bom lembrar, aliás, que Torres viajou sem estar de férias, porque as férias só aconteceriam dias depois. Ouvimos também a ex-subsecretária de inteligência da pasta, delegada federal Marília Ferreira Alencar.

Mudança de data da oitiva de Torres

Estamos para ouvir o Anderson Torres. Nós os convocamos e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes liberou, mas disse que ele só iria se quisesse. Torres inicialmente alegou que não iria porque não queria expor a imagem dele, então nós aprovamos a reconvocação dele em reunião reservada que tínhamos agendado para o próximo dia 16. Mas como o ministro Moraes tomou a decisão de ouvi-lo também pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) TSE no dia 16, estamos transferindo a oitiva do Anderson Torres para o dia 23 de março.

 Coronel Naime

Ouviremos no dia 16 o coronel Naime, que estava no comando de operações da Polícia Militar do DF no dia dos atos.  Naime mandou a advogada dele à CPI para dizer que tem interesse em falar. E eu espero que ele fale, porque ele é quem tem que dar conta do motivo pelo qual não agiu naquele dia. Sabemos que houve certo confronto entre ele e o comandante-geral da PM no DF. Todos nós sabemos que PM do DF é uma polícia de excelência então é claro que essa falha do dia 8 de janeiro precisa, sim, ser bem explicada.

Inteligência sabia de tudo

Até agora o apurado dá conta, tanto o dito pelo ex-secretário executivo como pela ex-secretária adjunta de inteligência, que existia um plano de segurança montado, organizado e nada foi seguido. Eu participo de manifestações em Brasília desde 1979, quando participei da primeira greve na minha vida que foi a greve dos vigilantes. Sempre teve esquema de segurança aqui e as coisas funcionaram, com exceção do chamado badernaço, em 1985, que na verdade foi um movimento organizado e ordeiro, em que a extrema direita infiltrada nas Forças Armadas provocou, na tentativa  de fechar o regime.

Portanto, estamos com os documentos, impressão das conversas capturadas pela área de inteligência que esses depoentes disponibilizaram para a CPI. Por tudo o que foi passado, fica claro que a inteligência tinha informações de tudo o que estava programado. Eles têm mensagens captadas de líderes desses manifestantes chamando pessoas do Brasil inteiro para viajar a Brasília naquela data, dizendo que os estavam convocando para uma “tomada de poder”. Dizendo que iriam “assumir e derrubar o governo”, governo este que foi democraticamente eleito. A polícia tinha tudo isso e ficou inerte.

PM atuou com efetivo mínimo

A primeira barreira de proteção que foi feita naquele dia tinha 20 policiais. Imagina se 20 policiais conseguiriam conter 4 .500 pessoas que tinham sido encomendadas com o firme objetivo de destruir os prédios dos três Poderes? Queremos saber onde estava o batalhão da segurança presidencial, onde estava o batalhão da polícia de choque da Polícia Federal. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também alertou sobre esses atos. Queremos saber por que não foi tomada providência alguma em relação a isso.

Atos antidemocráticos não começaram no dia 8/1

Esse movimento não começou no dia 8 de janeiro, começou no dia 12 de dezembro, quando depredaram ônibus e tentaram invadir o prédio da Polícia Federal na Asa Norte. Conversei com um delegado que disse que foi muita sorte naquele dia não ter morrido gente, porque eles chamaram a tropa de choque da PF e se os manifestantes tivessem mesmo invadido o prédio, a tropa de choque atuaria com tudo.

E houve, ainda, no final do ano, o episódio daquele bandido celerado que colocou bombas de dinamite num carro de transporte com 30 mil litros de querosene de aviação. Imagina aquilo explodindo dentro do depósito de combustíveis do aeroporto. Não fizeram nada para descobrir quem tinha feito  e por que tinha feito.

Acampamento

Os manifestantes ficaram e ficaram no acampamento que montaram, sendo guardados pelo Exército Brasileiro. O comandante militar do Planalto certamente tinha informação de que estava chegando para eles: água, alimentos, um pouco de tudo. E não foi feito nada.  Soubemos, inclusive, que um oficial do Exército estava no Palácio do Planalto, no dia da invasão, dando cobertura aos terroristas para que eles fugissem.

A morte de Marielle Franco

Eu acho que é fundamental a investigação por parte da PF do caso Marielle Franco. Porque nós todos precisamos saber quem matou a Marielle. Ela seria candidata a senadora do RJ e se fosse candidata, o resultado da eleição seria outro. A quem interessava a morte de Marielle? Esta é a grande pergunta.  E isso precisa ser desvendado e resolvido pelas forças de segurança. A Polícia Federal tem capacidade efetiva de chegar até os mandantes. Não basta chegar em quem executou, quem apertou o gatilho, mas em quem mandou apertar o gatilho.

 Políticos da direita bem votados no DF

Isso é uma coisa que aconteceu no país inteiro, a regressão completa e nós voltando à idade da pedra. Para que possamos mudar essa realidade temos que alertar as pessoas, para que compareçam às eleições, pois muita gente deixou de votar nas últimas eleições. Outra coisa, a gente fala muito do Centrão e tudo, mas foram todos eles eleitos no voto. O trabalho de conscientização política que precisamos fazer no país é sair da bolha, ir para a periferia conversar com as pessoas, mostrar para as pessoas o caminho correto. Antes nós não tínhamos o fenômeno das igrejas, hoje existem igrejas tão organizadas com discursos e pregações da direita que atuam ainda mais do que verdadeiros partidos.

Questão do acobertamento feito por militares

Acho que quando o ministro Alexandre de Moraes decidiu que militares seriam julgados pela justiça comum ele sabe bem o motivo da decisão que tomou, o que está fazendo. Ele certamente tem mais informações do que nós temos, é por isso que  tomou essa decisão.

Exemplo do Ceará impediu que 8/11 fosse pior

Essa situação do dia 8/11 poderia ter sido muito pior se não tivéssemos tido um governador que teve a coragem que teve Camilo Santana (hoje ministro de Educação)  no Ceará, alguns anos atrás.  Quando houve aquele motim dos PMs, foi para lá o Moro  (ex-juiz e ex-ministro da Justiça, hoje senador) e um monte de gente dizer que tinha que ter anistia para esses policiais. O Camilo teve a coragem de mandar uma emenda constitucional para a Assembleia Legislativa do Ceará dizendo que seriam feitas punições e não haverá anistia.

Se o Camilo não tivesse feito isso, a coisa aqui no Brasil teria sido muito pior. Porque quem deu o golpe na Bolívia foram os coroneis da PM na Bolívia. Portanto, queriam repetir isso aqui no Brasil. Felizmente tivemos homens como Camilo Santana que os enfrentaram e impediram que rebeliões semelhantes acontecessem nos outros estados. Precisamos analisar tudo isso para verificar que essa coisa foi tentada lá atrás.

Viagem de Bolsonaro

A viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, mesmo. Tenho certeza que ele viajou antes de terminar o mandato para que acontecesse o que aconteceu, ele poder dizer que não tinha tido participação nenhuma e retornar tranquilo ao país. Ele achava que voltaria nos braços do povo depois de um golpe consolidado no Brasil.

Depoimento de Ibaneis

Eu gostaria muito de poder ouvir o governador do DF Ibaneis Rocha na CPI  mas infelizmente, na questão da separação dos poderes, a CLDF não pode convocar o governador, assim como o Congresso Nacional não pode convocar o presidente.

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