“Acabou a ilusão de Brasília ser a cidade do servidor”, diz Chico Vigilante

Francisco Domingos dos Santos nasceu no dia 08 de setembro de 1954, no município de Vitorino Freire no estado do Maranhão. Alocou-se em Ceilândia desde 1977, conseguindo um trabalho de vigilante noturno. No marasmo do labor diário, escutava em seu rádio de pilha os discursos de quem viria a se tornar um grande amigo, na época, o trabalhador Luís Inácio Lula da Silva.
Conhecido por Chico Vigilante, entrou para a vida pública em 1979, com a criação da Associação dos Vigilantes do DF, que posteriormente, foi transformada em Sindicato, do qual foi presidente entre 1984 e 1990.

Chico Vigilante também ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores do Distrito Federal (PT-DF) que presidiu por três vezes. Antes disso, esteve à frente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por nove anos consecutivos, onde também participou da criação. Ex-deputado Federal eleito duas vezes, tornou-se deputado Distrital em 2015 pelo PT.

Qual balanço o senhor faz do primeiro ano de mandato?

O ano de 2015 foi bastante complicado. Tivemos um governador eleito em outubro de 2014 e que teve até janeiro do ano passado para poder montar seu governo e conhecer as contas do Distrito Federal. Ele também deveria ter desenvolvido um orçamento para o ano e destacado uma equipe para vir à Câmara Legislativa para discutir essa elaboração, pois assim teríamos realizado um orçamento conforme a visão de governo dele. Entretanto, não vieram à Casa. Por isso, nós entendemos que ele houvesse concordado com a proposta de orçamento do ex-governador Agnelo Queiroz, pois ele tinha a obrigação de conhecer a peça orçamentária a ser discutida, já que ele iria governar. Ao tomar posse, Rodrigo Rollemberg trouxe a história de déficit nas contas, sendo que não comprovou rombo algum. O que aconteceu foi algo outros governos já encararam, que foi o pagamento de dívidas de 2014 com orçamento de 2015. Dessa forma, o governador começou a mandar inúmeros projetos para a Casa que penalizavam a população, como o aumento de impostos. Tivemos um ano de enfrentamento, e até diria que foi um ano perdido para o Distrito Federal.

Qual é sua relação com o Executivo?

Eu aprendi na minha vida que devemos respeitar a vontade do povo, pois a democracia é assim. Nós estávamos no governo, mas a população achou melhor nos tirar e me enviou como oposição, para fiscalizar essa gestão. Agora, não me enviaram para inviabilizar o governo, pois assim se dificulta a vida das pessoas. Tenho feito uma oposição responsável e propositiva, não tenho nenhum problema de conversar com o Rodrigo Rollemberg, até porque ele não é meu inimigo. Mas nunca irei lá para negociar ou pedir cargos. Entretanto, toda vez que for preciso discutir problemas e soluções para questões graves da cidade, estarei pronto para colaborar, porque foi pra isso que fui eleito. Não sou da política do quanto pior, melhor, pois isso prejudica a população. Não quero nada do governador, apenas respeito.

O senhor acredita que Brasília está vivendo um momento de fortalecimento do poder Legislativo?

Não, não acredito. Na gestão passada, não que eu defenda o Agnelo Queiroz, mas foi quando tivemos um verdadeiro fortalecimento do poder Legislativo, pois se discutia seriamente com os deputados distritais sem fazer distinção dos partidos políticos. Já neste começo de gestão, não tivemos fortalecimento algum. Acredito que essa será a pior legislatura que estaremos vivendo. Hoje, vejo estabelecido no Distrito Federal uma briga pelo poder. O governo não possui um projeto para a cidade e nós que somos oposição estamos nos reorganizando para apresentarmos uma proposta. O que percebo é que cada vez mais se dificulta o setor produtivo, a cada dia mais empresas vão embora da cidade. O governo não teve capacidade de encaminhar o projeto da LOAS, que continua dificultando a retirada de alvarás de funcionamento. Infelizmente, não temos uma política de desenvolvimento econômico. Converso muito com o setor produtivo e o que eles mais reclamam é que a cidade não possuí uma visão de futuro.

O que poderia ser feito para que a situação melhorasse?

O setor produtivo, os trabalhadores, devem se conscientizar da gravidade que o Distrito Federal vive, pois é a única unidade da Federação que em um futuro próximo irá se inviabilizar. Venho alertando o Rodrigo Rollemberg de que se continuar da forma como está, daqui dez anos não iremos precisar de poderes Executivos e Legislativo, bastará ter um contador para pagar os servidores públicos, porque não teremos verba para nada. E nada vem sido feito para modificar esse cenário. Em 2015 já tivemos uma queda na arrecadação de tributos, que é o que delimita o fundo constitucional, acredito que neste ano teremos uma perda ainda maior. Por isso precisamos de uma política de desenvolvimento, acabou a ilusão da cidade do serviço público. Ou Brasília se desenvolve e busca meios próprios de arrecadação ou teremos um futuro sombrio.

Qual é sua posição quanto a ideia de atrair o setor privado para áreas como o Parque da Cidade e o Autódromo?

Parece que surge algumas ideias mirabolantes nas cabeças de alguns secretários do governo, que anunciam as coisas sem saber do que se trata. Nesse momento de dificuldade, não se discutiu o que serve para ser instalado efetivamente dentro do Parque da Cidade, mas anuncia na televisão que não irá cobrar ingresso. Já que o governador quer fazer parceria público-privado, acredito que seria muito mais interessante discutir com seriedade o complexo esportivo da cidade, que agrega o Mané Garrincha, Ginásio de Esporte e Autódromo. Nessas áreas haverão grupos de fora para investir e analisar a destinação daquele espaço, porque o Estado não consegue gerenciá-lo. O governador fala tanto de parceria público-privado, mas há um que ele precisa resolver, que é o Centro Administrativo do Distrito Federal (CADF). Enquanto o governo não resolver essa parceria, Rollemberg não tem autoridade de falar desse tipo de ação em Brasília.

O senhor afirma que o GDF não está no vermelho. Então porque a Câmara Legislativa aprovou abertura de crédito extraordinário e aumento da meta fiscal?

Esses projetos são a legalização das pedaladas no Distrito Federal. Algo que outros governos fizeram e que o Rodrigo Rollemberg está fazendo com um novo nome. Essa pedalada é pagar as contas de 2015 com o que for arrecadado em 2016. O déficit do Distrito Federal é menor do que o de São Paulo ou do Paraná. O nosso déficit é igual aos dos demais estados, que é referente a se gastar mais do que se arrecada, algo que todos os governos fizeram. A diferença é que agora temos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi uma imposição do Fundo Monetário Internacional na época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que o Brasil a votasse essa lei. O montante da LRF faz parte do superávit primário, um dinheiro que fica preso para pagar juros da dívida com os bancos.  Aprovou-se porque não se achou um outro mecanismo para a situação. Se continuasse como estava, permaneceria dentro da LRF e mais na frente poderia se cortar mais despesas de servidores públicos, podendo chegar ao limite de demitir os concursados. Esses são artifícios legais para manter a máquina do Distrito Federal funcionando.

No ano passado estourou a questão dos carteis de combustíveis, mas aparentemente nada mudou. Por que é tão difícil desarticular esses carteis no Distrito Federal?

Isso faz parte das castas que se formaram no Distrito Federal: as castas das terras, que eram algumas incorporadoras que formaram um verdadeiro cartel e por isso que temos o metro quadrado mais caro do país; temos o cartel dos transportes, que se tinha três empresas que operavam o sistema e o ex-governador Agnelo sabe o que sofreu para fazer licitação e quebrar com isso.  O cartel dos postos se construiu na fundação de Brasília: eram três grupos que dominavam e agora são dois, e que inclusive, mandam nos transportes do Distrito Federal. Esse pessoal tem poder, pois estão há muito tempo na cidade e ganham grandes quantias de dinheiro. Por isso é tão difícil se combater esse cartel. Felizmente, agora vejo uma luta de quase 20 anos começar a dar certo, que é o projeto que aprovamos que autoriza a venda de combustíveis em estacionamentos de shoppings e hipermercados. Esse projeto que aprovamos não vai acabar com o cartel de combustíveis, mas irá diminuir o poder desse grupo. Agora, uma ação que podera fazer com que o cartel perdesse o poder é se o judiciário de Brasília decidisse agir, como foi em outros estados. A minha luta para que supermercados, shoppings e outros estabelecimentos possam colocar postos é para ver se acontece um mínimo de concorrência, pois da forma que está distribuído atualmente, não ocorre. Tenho insistido com o procurador geral do Distrito Federal para que ele entre com uma ação para que a Justiça analise a margem de lucro dos postos e coloque um limite, estipulando um valor abaixo do que está sendo vendido ou não vamos mudar nunca. Outra medida interessante seria quando a Petrobrás conseguisse cumprir a determinação de licitar os postos da rede dela que estão entregues à Gasol.

Por que o senhor é contra a reeleição para a presidência da Câmara Legislativa?

Sou contra por uma questão de princípios. Não é por ser a Celina Leão, não tenho nada contra ela, como disse para a própria. Não sou contra a reeleição dela, sou contra a reeleição em si. Se eu fosse o presidente da Câmara Legislativa, coisa que não quero, também não seria a favor. Acumula-se tantos vícios, tantas coisas que posteriormente as pessoas acabam fazendo mal feitos. Os maiores escândalos do legislativo no país são em estados que possuem reeleição, como por exemplo o Mato Grosso ou no Maranhão. Ser presidente de um legislativo é uma representação eminentemente política, deve-se ter um corpo burocrático técnico. Essa discussão é algo que não tem nada a ver com o que a população do Distrito Federal está passando atualmente, não vai melhorar em nada para a cidade. Se depender de mim, essa proposta não passará.

Fonte: Sarah Peres / Alô Brasília
Foto: Roberval Eduão