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Terceirização uma ferida aberta na história do trabalho no Brasil

Terceirização: uma ferida aberta na história do trabalho no Brasil

Por Chico Vigilante
Deputado Distrital (PT-DF)

A terceirização é um modelo de contratação que carrega, desde sua origem, a marca da precarização. Surgida em meio à Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950, especialmente nos Estados Unidos, ela nasceu como uma forma de acelerar processos produtivos, sobretudo na indústria de armas. No Brasil, esse modelo começou a dar sinais de vida por volta de 1968, inicialmente nas áreas de vigilância e limpeza. Mas, desde o início, sempre foi uma forma de driblar direitos e enfraquecer o trabalhador.

Durante muito tempo, a terceirização foi considerada ilegal no nosso país. Tanto que, para não esbarrarem na Justiça do Trabalho, as empresas impunham contratos de apenas três meses. Ao fim desse prazo, demitiam e contratavam novos trabalhadores, numa rotatividade cruel, desumana e desrespeitosa.

Nos governos do presidente Lula, iniciamos uma verdadeira cruzada contra essa prática. Fizemos concursos públicos e contratamos diretamente milhares de trabalhadores, principalmente no setor financeiro — Banco do Brasil, Caixa Econômica. Com isso, tiramos muita gente da condição de terceirizado e garantimos acesso a direitos básicos. Na época, aceitava-se apenas a terceirização do chamado “serviço-meio” — ou seja, atividades que não faziam parte da missão principal de uma instituição. Um exemplo: numa escola, educação é serviço-fim. Logo, não se terceiriza professor. Numa agência bancária, atendimento ao cliente é serviço-fim. Logo, não se terceiriza caixa nem gerente.

Mas tudo mudou — para pior — com o governo Michel Temer, que aprovou a terceirização irrestrita. Foi um retrocesso brutal. De lá pra cá, o que vemos é a proliferação da terceirização em setores-chave, incluindo o serviço público. Hoje, a maioria dos jornalistas que trabalham na Câmara Legislativa, na Câmara Federal e no Senado são terceirizados. Gente qualificada, mas com vínculos precários.

E a realidade dessa categoria é uma das mais duras que existem. Muitos trabalhadores passam anos sem tirar férias. Por quê? Porque, ao conquistarem esse direito, o contrato da empresa prestadora de serviço é encerrado, e outra assume, iniciando um novo ciclo, como se aquela pessoa fosse recém-contratada. Conheço casos de gente que passou dez anos assim, sem férias, adoecendo em silêncio.

Mais grave ainda é a exclusão social que acompanha a terceirização. Certa vez, no Banco do Brasil, um vigilante — que fazia a segurança da entrada — não podia entrar no restaurante para almoçar. Mesmo com dinheiro para pagar, era barrado. Em outro caso revoltante, na Caixa Econômica, uma trabalhadora da limpeza foi constrangida por entrar no elevador “social”. Um funcionário da instituição disse, na frente de todos, que aquele elevador não era “pra ela”. Imaginem o impacto emocional disso.

Tenho feito uma luta incansável em defesa desses trabalhadores. Luto para que sejam contratados diretamente, e, quando isso não for possível, que tenham os mesmos direitos dos demais. Não é pedir demais — é pedir justiça.

Um dado alarmante: o maior número de acidentes de trabalho hoje ocorre entre terceirizados, especialmente em setores como energia elétrica e petróleo. Eles recebem menos treinamento, são vistos como “substituíveis” e tratados com total negligência.

Atualmente, o Brasil tem cerca de 12,5 milhões de trabalhadores terceirizados. É um contingente imenso, invisibilizado e explorado.

Quando estive no Ministério do Trabalho, ajudei a construir a Instrução Normativa nº 1, junto com o então ministro Paulo Bernardo. Essa normativa criou um mecanismo de retenção dos direitos trabalhistas dos terceirizados numa conta específica. Assim, mesmo quando a empresa troca, o dinheiro do trabalhador está protegido para pagar rescisões, férias, décimo terceiro.

Leis com esse espírito foram sancionadas em cinco estados — e me orgulho de dizer que o Distrito Federal foi um deles, com uma lei de minha autoria, a Lei Anticalote, sancionada pelo então governador Agnelo Queiroz. Estados como Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Bahia e Maranhão também avançaram nesse tema. Mas a maioria dos estados e prefeituras segue negligente. Em São Paulo, uma proposta parecida foi vetada integralmente pelo governador Tarcísio de Freitas — uma demonstração clara de que a direita não tem compromisso com os direitos trabalhistas.

É por isso que sigo na luta. Para que haja contratação direta sempre que possível, para que os direitos dos trabalhadores terceirizados sejam plenamente garantidos, para que o movimento sindical se aproxime de forma efetiva desses profissionais e para que a sociedade entenda, de uma vez por todas, que a terceirização sem limites é, na prática, sinônimo de exploração. Enquanto houver um trabalhador sendo discriminado, maltratado ou lesado por esse modelo perverso, eu não vou me calar. Porque defender o trabalhador, em qualquer condição, é a razão de eu estar na política.

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