Artigo – (Maria Francisca Sales Pinheiro, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília) Fonte CEDOC Correio Braziliense
Há dez anos acompanho o trabalho sindical e político de Chico Vigilante e nunca o ouvi falar de sua vida pessoal. Dedicado à militância e com um comportamento típico dos que distinguem a vida pública da vida privada, nele o que sempre transpareceu foi a atividade política. O lado particu-lar, também, não parecia ser foco de interesse do “grande público” Afinal, a vida do vigilante em nada difere da maioria dos brasileiros que anonimamente sobrevive às péssimas condições de existência.
Filho mais velho de uma família de 12 irmãos, onde três morreram de subnutrição na infância, Chico reside numa das áreas mais carentes de Brasília, o Setor P Sul da Ceilândia, e recebe R$ 26 mil de salário.
Mas Chico foi eleito deputado federal, por Brasília, com 20 mil votos. Em um gesto de emoção e felicidade chorou ao lembrar das dificuldades financeiras enfrentadas durante a campanha, e, comovido, falou da sua vida particular.
Ao se candidatar, pediu um carro emprestado, imprimiu só cinco mil panfletos e passou a maior parte da campanha sem dinheiro.
Chico reconheceu: “Agora os trabalhadores têm um representante na Câmara. Este mandato é deles e não meu”. Conquistado o status de deputado, Chico não pretende mudar seu estilo de vida. Indagado se ocupará o apartamento que a Câmara oferece aos deputados, respondeu que continuará na Ceilândia, alegando que as suas crianças não se acostumariam a morar no Plano Piloto. “Não vou trazer minhas crianças para morar no Plano. Na Ceilândia elas brincam no barro e têm muitos coleguinhas.
As sinceras e simples declarações de Chico emocionam em vários sentidos. Dois aspectos me tocam particularmente. O primeiro é a consciência política que ele tem do mandato popular, que se expressa na valorização da sua vida pública e no resguardo da sua vida privada. Impressiona, mais ainda, a não exploração de sua precária situação pessoal como apelo eleitoral na campanha. Não são as origens humildes de Chico Vigilante que levam necessariamente a esta consciência, mas o sério trabalho que desenvolve como sindicalista e como homem político. O segundo aspecto relaciona-se ao potencial renovador de sua postura em um país acostumado a conviver com políticos cheios de empáfia e com “falsos mandatos” – candidatos que se elegem com idéias
“populares” mas representam ideologias’ opostas.
Chico compõe uma geração de políticos novos, autênticos, ainda raros, por isso mesmo com características totalmente distintas do velho político tradicional. Este procura o povo somente às vésperas das eleições, diz ser seu representante e, eleito, se comporta de modo a reproduzir a mesma divisão social entre rico e pobre. A eleição de Chico, e de outros que assumem o mesmo comportamento político, está marcada pela coerência entre as propostas que defende e a atuação como representante de classe dos trabalhadores.
Tais propostas, ao encontrarem eco na sociedade, não só fortalecem os interesses dos setores oprimidos, que podem um dia sonhar com uma vida melhor, como contribuem para resgatar o valor da atividade política, como ação da verdadeira e vigilante representação popular.