Reconhecimento celebra os irmãos piauienses Clodo, Climério e Clésio Ferreira por sua contribuição à cultura e à identidade de Brasília e do Brasil.
Na noite desta segunda-feira (5), o plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal se encheu de emoção, poesia e música para celebrar três nomes fundamentais da cultura popular brasileira: Clodo, Climério e Clésio Ferreira — os irmãos piauienses que conquistaram Brasília com sua arte, consciência social e talento. A Sessão Solene, proposta pelo deputado distrital Chico Vigilante (PT), concedeu o título de Cidadãos Honorários de Brasília aos artistas, em reconhecimento à sua imensa contribuição à identidade cultural da capital e do país.
“É com enorme orgulho e profunda emoção que realizamos esta justa, necessária e simbólica homenagem ao Trio Certeiro”, afirmou o deputado em seu discurso de abertura. “Clodo, Climério e Clésio moldaram a alma desta cidade com talento, coragem, generosidade e compromisso com o povo.”
Durante a cerimônia, o professor da UnB, Paulo José Cunha, lembrou que “Brasília tem uma história musical linda, que começa lá com Tom Jobim em ‘Águas de Beber’. Somos berço de dezenas de músicos espetaculares — e esse trio é parte viva e síntese desse universo cultural que tanto nos enche de orgulho”.
Climério esteve presente à solenidade e recebeu, das mãos do deputado Chico Vigilante, o título de Cidadão Honorário de Brasília. A homenagem também foi concedida, in memoriam, a Clésio e Clodo. Seus filhos, Cláudio Tavares e Pedro, receberam os títulos em nome dos pais, em momentos marcados por emoção e reconhecimento.
Entre os convidados, também participou o presidente da Confraria dos Cidadãos da Honorários de Brasília, Wílon Wander, destacou: “Eu não uso terno, eu uso ternura’ — a frase é de Climério, e carrega o espírito de uma geração. Brasília nasceu com cara de repartição pública, onde muitos só se reconheciam pelo crachá. Mas lutamos, resistimos, e conquistamos a cidadania afetiva dessa cidade. Climério e Clodo ajudaram a desenhar essa Brasília viva, feita de música, de cultura e da Universidade”.
A sessao solene ganhou ainda mais brilho com a presença dos músicos Márcia Tauil, Ana Cristina e Alberto Salgado. Pedro e João Ferreira também cantaram e tocaram, emocionando o público com melodia e interpretação.
Raízes nordestinas, frutos brasilienses
Vindos do Piauí na década de 1960 para estudar na Universidade de Brasília (UnB), os irmãos Ferreira trouxeram na bagagem a força da cultura popular, a poesia do sertão e o compromisso com a arte como instrumento de transformação social. Brasília os acolheu de braços abertos, e eles retribuíram compondo canções que se tornaram clássicos da música brasileira, como “Revelação”, “Ave Coração” e “Riso Cristalino”.
Antes mesmo de a capital ser reconhecida como berço do rock nacional, os versos refinados e a brasilidade do trio já faziam pulsar a vida cultural da cidade. Fagner assina a produção do segundo disco do trio: “Chapada do Corisco”. O sanfoneiro, cantor e compositor Dominguinhos, parceiro dos irmãos em várias composições (entre elas, “Caxinguelê” e “Dia Claro”), produziu o terceiro LP do trio: “Ferreira”. Clodo, Climério e Clésio ainda lançaram, juntos, outros três LPs em vinil, bem como o CD “Tiro Certeiro”. Eles trilharam, também, carreiras solo.
Além disso, o trio tem mais de 150 músicas gravadas por intérpretes de variados estilos, como Amelinha, Ângela Maria, Elba Ramalho, Fafá de Belém, Nara Leão, Os Cariocas e Tim Maia. Nara Leão compôs, em parceria com Fagner e Fausto Nilo, a música “Cli-Clé-Clô”, em homenagem aos três irmãos Ferreira. A canção integra seu LP “Romance Popular” (1981).
Cada um dos irmãos trilhou uma trajetória única e essencial para o legado coletivo. Clodo, multi-instrumentista e compositor versátil, foi um artista generoso, capaz de transformar sentimentos em melodias e traduzir em música o espírito da amizade e da liberdade. Clésio, professor dedicado e letrista sensível, uniu com maestria educação e arte, semeando conhecimento e construindo pontes por meio das palavras. Já Climério, poeta e comunicador nato, deu voz ao cotidiano nordestino e à memória afetiva do povo, transmutando vivências em uma poesia de alcance universal.
Cultura como trincheira e ato de amor coletivo
Durante a solenidade, Chico Vigilante destacou que homenagens como essa não apenas reconhecem trajetórias artísticas, mas também afirmam valores caros ao Partido dos Trabalhadores: a promoção da cultura popular como expressão legítima do Brasil profundo, a educação como direito transformador e a inclusão da diversidade regional como riqueza nacional.
“Esta é também uma reparação simbólica. Porque artistas populares, nordestinos, vindos da educação pública, são muitas vezes invisibilizados por um sistema que ainda elitiza a cultura. Mas hoje, aqui, a história faz justiça”, declarou o parlamentar.
Ao encerrar o evento, Chico Vigilante afirmou que os irmãos Ferreira deixaram muito mais que canções: deixaram exemplos de vida e arte que inspiram novas gerações. “Cultura não é adorno, não é luxo. Cultura é raiz. É espelho. É trincheira. E, sobretudo, é ato de amor coletivo.”
A Câmara Legislativa se iluminou com a grandeza dos homenageados, e Brasília os reconheceu com a reverência de quem compreende o valor das vozes que constroem, com arte e consciência, a alma de um povo. “Brasília os reconhece. Brasília os reverencia. Brasília os aplaude de pé”, finalizou o parlamentar.